Sobre
A cidade era dividida em alta e baixa, de acordo com a sua
topografia. A parte conhecida como alta era a dos bairros
Caiari, Arigolândia, Pedrinhas, Olaria e tantos outros. A parte
baixa era onde se localizavam o comércio, o “porto”, a Estrada
de Ferro Madeira-Mamoré, os bairros Triângulo, Mocambo, Favela,
Santa Bárbara, Km 1, Nossa Senhora das Graças, Tucumanzal, Areal
e outros mais.
E foi no bairro Areal, cujo nome deveu-se ao fato da existência
de um imenso areal situado no espaço cortado hoje pela rua
Campos Sales, próximo à avenida Raymundo Cantuária, local onde a
garotada empinava papagaios e jogava peladas que ocorreu um fato
e feito significativo e inolvidável: a campanha humanitária para
a construção do Abrigo Santa Clara pela Liga de Assistência ao
Tuberculoso Pobre; entidade criada por um grupo de senhoras
abnegadas da sociedade, liderado pela esposa do governador Paulo
Nunes Leal, Thalita Leal, presidente da Legião Brasileira de
Assistência – LBA.
Com a finalidade de arrecadar recursos financeiros para comprar
materiais de construção, um grupo de senhoras e jovens, alunos e
alunas do colégio Nossa Senhora Auxiliadora e Dom Bosco, saíam
do bairro Areal, percorrendo outros bairros, acompanhados do
serviço de alto falante “A Voz da Cidade”, de Fouad Nagib.
Portavam os jovens que aderiam à campanha: bandeiras nacionais,
recolhendo donativos e dinheiro que o povo espontânea e
generosamente depositava nos pavilhões nacionais. O cortejo era
antecedido pela banda de música – a “furiosa” da Guarda
Territorial, tocando hinos e dobrados.
A campanha cresceu, atingindo todos os segmentos da sociedade,
sensibilizando as pessoas. A tuberculose nessa época, 1959,
havia invadido os humildes casebres anti-higiênicos, onde os
enfermos viviam seminus, deitados em redes e alimentados
precariamente. Vários eventos beneficentes foram realizados,
dentre eles, os bailes com desfiles de moda, como o do “Perfume”
e da “Flâmula”, no Bancrévea Clube; a eleição da “Mãe do Ano”,
promoção do Rotary Clube, na sede do Ypiranga Esporte Clube que
funcionava em um casarão de pinho-de-Riga, situado entre a
avenida Farqhuar e a rua Euclides da Cunha, saindo vencedora,
dona Graci Azevedo Araújo, conhecida como dona Nega,
proprietária do salão de beleza mais elegante da cidade. As
outras mães que receberam votos foram Miriam Alves, esposa do
médico Araão Jacob Alves; Tereza Lima e Jacira Lessa.
A reserva e venda das mesas para os bailes eram efetuadas no
Porto Velho Hotel, na época administrado por Abelardo Townes de
Castro.
Gestos significativos de solidariedade humana ocorreram durante
a campanha. Dentre eles, lembro-me o da enfermeira Teresa
Gervais, contribuindo com três dias de seu salário; o da
funcionária Oda, do Hospital São José, retirando seus anéis de
ouro, depositando-os em uma das bandeiras; o do comerciante
Albertino Lopes, agente da empresa Panair do Brasil, abrindo um
livro onde os doadores registravam a entrega dos donativos que
poderiam ser em dinheiro ou em materiais de construção, tais
como: tijolos, telhas, pedras, areia e cimento; o do bispo D.
João Batista Costa, doando uma área dos salesianos conhecida
como Chácara Mesquita, local onde foi edificado, no Areal, o
Abrigo Santa Clara.
Não houve uma só pessoa em Porto Velho que não se solidarizasse
com o movimento, gente de alto poder aquisitivo e gente pobre,
entidades como a Cruzada da Recuperação Regionalista, a
Associação Profissional dos Carregadores e Transportes de
Volumes e Bagagens e os clubes sociais Ypiranga Esporte Clube e
Bancrévea Clube contribuíram para o seu êxito. O Abrigo Santa
Clara foi desativado na década de setenta, em razão da
instalação de postos de saúde.
Os tempos e costumes mudaram. Poucas pessoas em Porto Velho se
lembram daquela campanha e da sua líder, uma mulher pequenina,
franzina, dona de uma energia e determinação inquebrantáveis,
Thalita Nunes Leal, e do povo que ajudou a construir uma obra
nobre e humanitária: o Abrigo Santa Clara.
Yêdda Pinheiro Borzacov, da Academia de Letras de Rondônia, do
Instituto Histórico e Geográfico de Rondônia.
Fonte:
https://www.gentedeopiniao.com.br/colunista/yedda-pinheiro-borzacov/um-bairro-e-sua-memoria